CAIU NA REDE - LIVROS E LIVROS

QUEM SOU EU?

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Nasci em Belo Horizonte por acidente, pois sempre me considerei ouropretana. Afinal ser de Ouro Preto confere um toque de magia a qualquer pessoa. Mistério e encantamento.

Mas como foi aqui que aprendi a ler e a escrever, me sinto no direito de ser ouropretana. Aqui também exerço meu maior direito à cidadania, escolhendo as pessoas que vão me representar no governo, através do meu voto.

 

Minha primeira escola foi uma janela. Como morava bem em frente ao cinema, ficava horas na janela lendo os cartazes e assistindo aos pedacinhos dos filmes que se mostravam por uma fresta bem grande  acima dos cartazes. Quando consegui ler o título “O rapto macabro”, que decifrei como “O rapeto macaberro”, me considerei alfabetizada. Daí pra frente lia tudo que me passava aos olhos. Não só as letras, mas também as coisas do mundo, as expressões das pessoas, os recados que a  natureza nos dá através do vento, da chuva, do sol, das nuvens, da lua , das estrelas...

 

No grupo escolar D.Pedro II tive minha primeira professora de verdade: D.Mônica! Que benção ter a professora como xará!!! Eu pensava ser uma escolhida divina . Além de tudo ela  era linda e suave. Não tive mais notícias dela.Tenho vontade de encontrá-la para ver se se comprovam minhas impressões. E dizer como eu a admirava.

 

Antes do final do ano meus pais se mudaram para Saramenha  e eu perdi minha janela e minha professora. Por um consenso familiar ficou decidido que eu iria estudar em Belo Horizonte, já que minha madrinha tinha uma escola muito boa e se dispôs a me aceitar como enteada. Então, com oito anos incompletos, fui para a capital deixando embalados em jornal e palha minhas janelas, ruas e neblinas.

 

A distância dos pais, irmãos e amigos era compensada pelos cafunés no avô Sinhô Machado e pela convivência  com aquelas três tias: modernas, intelectuais, independentes que tanto me ensinaram:Tereza, Iá e Sylvia. Elas eram ávidas leitoras e estavam sempre cercadas por livros, jornais e revistas. Foi a referência que me bastou para embarcar de vez no mundo da leitura. Quando me faltavam livros infantis, corria até a biblioteca da Tia Sylvia e procurava algum título que me parecesse interessante. Difícil arte para uma menina diante da complexidade do universo literário de minhas tias. Na escola, o momento de escrever era sempre bem-vindo pois aproveitava as personagens que eu criava para dizer por mim da saudade de casa. Um dia chegaram outros sobrinhos e eu voltei para Ouro Preto. Lembro-me que era o ano de 1964, e o golpe militar foi excelente desculpa para meu pai e minha mãe reunirem a família. Na minha primeira visão adolescente, achei maravilhosos aqueles militares que me ajudaram a voltar para casa. Só um ou dois anos depois tive a real dimensão do que havia sido aquele golpe.

 

Ouro Preto  me deu asas. A escola era nas ruas, becos, adros, museus, igrejas e até cemitérios. O currículo escolar variava do barroco ao tropicalismo. Os professores eram muitos. Tipos populares, guias turísticos, guardas dos monumentos históricos, cidadãos inconfidentes... Comecei a me interessar por teatro e restauração. Duas boas pontes que me levaram para o campo das artes.E graças aos diplomas de Festivais de Inverno e certificados dos cursos da FAOP consegui autorização, alguns anos depois, para ser professora de Artes.

 

Meus pais compravam muitos livros que ficavam num armário acessível a todos. Coleções do Monteiro Lobato, Graciliano Ramos, Jorge Amado, Cecília Meirelles, Machado de Assis, Érico Veríssimo. Enciclopédias, dicionários, bíblias estavam sempre em nossas mãos. Lembro-me do cheiro de cola que emanava dos livros novos. Quem sabe não fosse isso um caminho para o deleite da leitura?

 

Moravam conosco na casa de Saramenha duas senhoras: Lalá e Dió. Nativas de Lavras Novas, ajudavam minha mãe na lida com a casa. Nos assumiram como filhos, dos carinhos até as broncas quando alguém aprontava muito. Á noite acontecia uma sessão de causos. Lalá era especialista em casos de terror. Contava da mão gelada do padre que queria afastar seus medos, do demônio “Zé Felipe”, da pedra do sino de Lavras Novas e da mulher de branco. Nossa imaginação voava e só encontrávamos consolo para o medo tampando a cabeça com os cobertores. Nessas noites costumávamos dormir todos os cinco nas camas ajuntadas.

 

Meus avós maternos moravam numa casa na Rua das Mercês. Durante a construção da nossa casa em Saramenha moramos lá. Foi um ano especial, pois aproveitei a convivência com outros primos e, especialmente com vovô e vovó. Vovô tinha pinta de bravo mas se derretia com um abraço. Com um papagaio no ombro, me lembro dele sentado debaixo da árvore na lateral da Igreja de São Francisco de Assis , contando histórias de Montes Claros. Vovó era suave e estava sempre preocupada com alguém. Acho que ela vivia para os outros e não pensava em si. Pura doação a Maria Cândida! As histórias com os primos são tantas que darão um livro. Às vezes de humor negro!!!

 

Passei por muitas escolas formais em Ouro Preto: Colégio Arquidiocesano, Escola Normal, Colégio Alfredo Baeta, Escola Técnica de Mineração e Metalurgia...Tive ótimos professores que ensinavam não só os conteúdos dos programas mas que, com metáforas e outras sutilezas, ensinavam a ver através dos muros escolares e além do permitido pelo governo militar. Padre Mendes que ensinava gramática sem dor, D. Elinor que me apresentou a vários autores e me provocou para escrever, Sr.Hélio Pignataro sempre pronto a ouvir, Prof.Cláudio na sua elegância mesmo com os botões do terno abotoados desordenadamente, Prof. Henri e as bochechas sempre vermelhas, Duca que conseguiu me fascinar com a Matemática, Padre Rocha e todas as conjugações,fábulas e provérbios do Latim, Padre Carmélio que escondia sua ternura debaixo da sua capa preta, Prof.Hélio Homem e as experiências que às vezes davam certo, Prof. Gerardo Trindade que em plena ditadura era professor de OSPB e conseguia driblar o programa escolar..tantos outros que me ajudaram a crescer.

 

 A escrita era uma constante. Escrevíamos muito na escola. Os livros didáticos eram os tradicionais e não os utilizávamos muito, a não ser para ficar lendo durante alguma aula maçante.

Assim comecei minha vida de escritora: lendo e escrevendo.

 

O primeiro livro foi De três em três , de reis em reis.Trabalhava como bibliotecária na Escola Santo Tomás de Aquino e volta e meia uma professora me pedia para encontrar um texto, um poema, um artigo sobre determinado tema. Quando não encontrava (ou não gostava) escrevia e entregava a encomenda. Não punha a autoria não sei se por falta de confiança ou timidez. Um dia li no jornal sobre o concurso João de Barro da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte. Reuni alguns poemas e com o pseudônimo de Aparecida fiz minha inscrição. A Aparecida apareceu mesmo! Fiquei em primeiro lugar e criei coragem para mostrar meu trabalho. A Editora Miguilim, que para mim era referência da boa literatura infanto-juvenil, publicou o livro e eu virei escritora!Marilda Castanha fez um trabalho de ilustração que muito me emocionou pois ela conseguiu fazer a minha leitura nas suas aquarelas.

 

Depois veio Manhas Comuns. Um diário que expunha minhas dúvidas adolescentes. Um conflito entre EU e ELA. Minhas filhas foram um campo de observação, bem como minha relação com minha mãe.Gostei muito de escrever esse diário. Em algumas semanas estava pronto e surgiu nova oportunidade de concurso. O prêmio foi a publicação, desta vez pela RHJ. Marilda Castanha foi novamente parceira. Fiquei surpresa quando tive meus livros “Altamente Recomendados pela Fundação Nacional do Livro Infanto Juvenil”

 

Jogo de Bicho foi gerado em Poços de Caldas, num Festival de Inverno onde eu fazia um curso de literatura. Só nasceu alguns anos depois através da Miguilim. Com Jogo de Bicho consegui escrever desenhando: juntei as duas coisas que gosto de fazer. Com a ajuda de um especialista em artes gráficas, Edison Barroca, meu traço ganhou forma e cor.

 

De cá pra cá,o terceiro livro, é um encontro (ou desencontro) do menino do campo com o menino da grande cidade. Lavras Novas me inspirou 100%.O maior presente foi a RHJ ter contratado minha mãe para fazer as ilustrações. Juntas, durante as férias chuvosas de um janeiro, sentávamos todas as tardes para ela desenhar e pintar as aquarelas que o texto lhe apontava. Fogão de lenha aceso, café no bule, queijo na mesa, meninada brincando, chuvinha no telhado... e iam surgindo aquarelas daqueles dedos gordinhos e mágicos que se transformavam em pincéis. Paisagens e paisagens. Os originais,com permissão de Drummond, viraram retratos na minha parede. A saudade permanece.

 

Enfim, Qual é?, que veio através da Dubolsinho. Foi um período longo que fiquei sem publicar. Só rascunhando. Tião foi o responsável ao me dar o prazo de um mês para entregar os originais. A ilustração de Mariângela Haddad, alegre e solta, me deixou em lua-de-mel com o livro. Gostei tanto de escrever para quem está descobrindo a leitura que rascunhei mais alguns outros. Agora é tempo de lapidar.

 

2013 foi ano de fartura, três rebentos: Diálogo ou a vaca que não foi pro brejo, interessantissimamente ilustrado por Sebastião Nuvens; O alfabeto, o tempo e os nomes, minha estreia como ilustradora do texto provocador da Mônica Ávila, todos dois pela AAATCHIM.  E ainda um artigo no livro A criança e a leitura literária-livros, espaços, mediações.

Enfim estou de volta a Ouro Preto. Com casa, comida e roupa lavada. Tenho a impressão, às vezes, de que o tempo não passou. Outras, vejo como ele foi cruel.

Raramente vejo a cidade como gostaria de ver sempre: vazia de gente e de carros. Só o casario e os fantasmas. Ah! os fantasmas.

 

 

 

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